terça-feira, 31 de maio de 2011

O Segundo Esqueleto: A Fibrodisplasia Ossificante Progressiva alterando a Biomecânica natural do corpo

Antonia Jessyk Aguiar
Luciana Moura Pessoa
Victor Fernandes da Silva Bezerra



O QUE É?

A Fibrodisplasia Ossificante Progressiva (FOP) é uma doença genética rara autossômica dominante. É caracterizada pelo desenvolvimento de tecido ósseo em partes moles, tais como músculos, tendões, ligamentos e cápsulas articulares, sendo por este motivo caracterizada em algumas literaturas como “Doença do segundo esqueleto”. Além da formação extra de osso, há a má formação de ossos que compõe o quadril e os dedos, sobre tudo os dedos dos membros inferiores que são mais alongados que o normal. Este crescimento ósseo começa a ser observado em seus portadores ainda durante a infância com progressão da doença durante a juventude. A ossificação do tecido conjuntivo causa perda de mobilidade limitando movimentos e em casos mais graves podem ser observadas perda da função auditiva, incapacidade para marcha além de insuficiência respiratória.

ENTENDENDO E IDENTIFICANDO A FOP

Para que se entenda de maneira mais clara o mecanismo de ação desta doença, é necessário que conheça o funcionamento normal e a composição natural do corpo humano.
Em pessoas saudáveis, não portadoras, há o crescimento natural do esqueleto, além da formação de músculos, tendões e ligamentos que se articulam possibilitando a realização de ampla gama de movimentos. Já em portadores da FOP, as alterações que caracterizam esses pacientes podem ser observadas desde o nascimento, pois há uma má formação dos dedos dos membros inferiores (esta alteração é congênita, podendo ser identificada por meio de exames radiológicos. Essa observação
pode levar ao diagnóstico precoce da doença). Além disso, há o  crescimento de osso em substituição aos tecidos moles, o que pode acontecer ou não em decorrência de trauma.
Neste ponto, um questionamento surge: Como um trauma pode provocar o crescimento ósseo anormal? Quando uma pessoa normal sofre alguma lesão, por exemplo em decorrência de um trauma mecânico, há na área afetada o rompimento de vasos, formação de edema, processos de reparação e por fim a reabilitação da estrutura sem maiores danos. No portador de FOP esse mecanismo é alterado e ao sofrer algum trauma (lesões musculares, iinjeções, procedimentos cirúrgicos), ao invés do processo natural de reparação de vasos, redução de edema e reabilitação de estrutura, há o crescimento de tecido ósseo no local da lesão com posterior perda de mobilidade. Infelizmente, a formação da estrutura óssea segundo esse mecanismo de pós-trauma não é regra. Se fosse este o caso, bastava que os portadores evitassem se machucar ou se submeter a procedimentos invasivos e desta forma nunca teriam lesões. Porém, a formação do tecido ósseo pode ser aleatória, sem precedentes. Apenas com um edema inicial doloroso, com posterior endurecimento do tecido e consequente formação do osso.

Após uma lesão, há a formação de edema
 


As células de defesa são recrutadas para o local e removem as células lesadas


Na FOP, além da remoção de células lesadas, há a remoção de células sadias
No lugar dessas células, há o nascimento de tecido ósseo






CONHECENDO AS ALTERAÇÕES PROVOCADAS PELA FOP SOB A LUZ DA BIOMECÂNICA
Já se sabe que a FOP causa a ossificação de partes moles com limitação crescente da mobilidade. Na maioria dos pacientes, essa ossificação ocorre inicialmente na musculatura próxima a coluna vertebral e nas articulações próximas que se relacionam como o complexo do ombro. A expansão da ossificação acontece geralmente na região axial, expandido das partes proximais para as distais.
Uma análise biomecânica destas alterações pode ser de grande valia para o entendimento da limitação global causada por essa doença.
A coluna vertebral pode ser divida em coluna cervical, com relativa mobilidade e lordose fisiológica, coluna dorsal, com pouca mobilidade e cifose fisiológica, coluna lombar, com grande mobilidade e lordose fisiológica e a sacroilíaca que é fixa devido o ligamento definitivo das vértebras e possui cifose fisilógica. Sabe-se que estruturada desta maneira, a coluna nos possibilita realizar movimentos de flexão (com aproximação das vértebras na região anterior e consequente afastamento na região posterior), inclinação (com movimentos vertebrais de aproximação e rotação), além de extensão ( onde há a aproximação dos processos espinhosos e afastamento da região anterior, com consequente tensionamento de ligamentos da região anterior). Em um paciente com FOP,  se há uma ossificação de toda as estruturas que envolvem essas vértebras, há de se compreender que essa gama de movimentos será feita com uma angulação diminuida ou mesmo será inexistente, basta notar que se é a contração muscular a grande responsável pela movimentação dos complexos articulares, a partir do momento em que essa contração é cessada, pela transformação do músculo em osso, todos os movimentos que aconteciam em decorrência dessa contração também serão limitados. Se tomarmos agora como exemplo o complexo do ombro é que observamos de forma mais assintuosa a manifestação da FOP. Sabemos que o complexo do ombro é formado pelas articulações gleno-umeral, escápulo-torácica, acrômio-clavicular e esterno clavicular, além de grande número de ligamentos, músculos e uma cápsula articular que envolve o ombro proporcionando a realização de muitos movimentos, tais como flexão, hiperextensão, adução e abdução, rotação interna e externa. O portador da FOP, terá os ligamentos e músculos ossificados, desta forma não poderão ser realizados os micromovimentos de rolamento, deslizamento e rotação porque embora as estruturas ósseas normais tais como úmero, escápula e clávicula estejam inalteradas, a cápsula articular está comprometida, não havendo espaço intra articular para esses pequenos movimentos. Desta forma, os macro movimentos consequentementes também estarão impedidos ou muito reduzidos. Seguindo esse raciocínio, podemos analisar todas as articulações presentes no corpo humano e entender que de uma maneira geral (embora cada articulação possua suas singularidades) a ossificação das partes moles, sobre tudo das cápsulas articulares, que reduzem o espaço para a movimentação dos ossos, e a ossificação dos músculos não ocorrendo a contração, e dessa forma não acontecendo o movimento, faz com que o paciente portador tenha uma limitação global progressiva. Nos estágios mais avançados da doença, o portador culmina para o uso de cadeira de rodas, já que a ossificação das partes moles irá impedir os movimentos de flexão de quadril, flexão de joelho, dorso-flexão e flexão plantar, ou seja, impossibilitando a realização do ciclo da marcha normal, além de insuficiência respiratória, pois sabe-se que durante a inspiração normal há a elevação das costelas pela contração dos músculos inter-costais, além da contração com depressão do diafragma, aumentando a cavidade torácica induzindo a entrada de ar. Se há uma alteração que comprometa a contração muscular, não acontecerá a expansão torácica não ocorrendo, desta forma, o ciclo respiratório correto. Na literatura, há relatos de um caso extremamente severo de ossificação, onde o paciente, já em situação terminal, só conseguia mover os lábios tamanho seu comprometimento articular.

REFERÊNCIAS
KAPANDJI, A.I. Fisiologia Articular: Esquemas comentados de mecânica humana. 5ª ed. São Paulo: Medicina Panamericana Editora do Brasil, 2000.
ARAUJO JUNIOR, Cyrillo Rodrigues de ; CARVALHO, T.N. ; COSTA, M.A.B. ; LOGO, L.V.; FONSECA, C.R.; TEIXEIRA, Kim-Ir-Sen Santos. Fibrodisplasia Ossificante Progressiva: Relato de Casos e Achados Radiográficos. Revista daRadiologia Brasileira, 38. Págs. 69-73. (2005)
CAMPOS, Diana Martins de; RENCK,D.V. ; BEBBER, F.E. ; MARQUETTO, I.B. ; BRUM, L.F. ; MENDES, L. Fibrodisplasia Ossificante Progressiva: Relato de Caso.  Revista da Radiologia Brasileira, 38. Págs. 393-395. (2005)
FIBRODISPLASIA OSSIFICANTE PROGRESSIVA. Revista Brasileira de Ortopedia (2003)

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